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'Queremos justiça': família de escrivã que se matou protesta em missa de 7º dia


A solenidade em homenagem à Rafaela Drumond, de 32 anos, aconteceu na noite da última quinta-feira (15 de junho) em Barbacena, na região do Campo das Vertentes


Por José Vítor Camilo Publicado em 16 de junho de 2023 | 15h25 - Atualizado em 16 de junho de 2023 | 15h33


Foto: por Clarissa Braga/ Comunicação Sindep


Na noite da última quinta-feira (15 de junho) aconteceu em Barbacena, na região do Campo das Vertentes, a missa de 7º dia da escrivã Rafaela Drumond, de 32 anos, que tirou a própria vida e deixou vídeos e áudios denunciado assédio moral e pressão psicológica dentro da Polícia Civil. Durante a solenidade religiosa, o pai da policial, Aldair Divino Drumond, de 61 anos, entrou na igreja com cartazes em protesto pela morte da filha.


Imagens que circulam nas redes sociais mostram o marinheiro aposentado, vestido com uma blusa com o rosto da filha, carregando uma faixa escrito "Dignidade para todas as mulheres" e "Viva todas as Rafaelas Drumond". Nas costas, o pai da escrivã trazia outro cartaz, que dizia: "Queremos Justiça por Rafaela Drumond".


Nesta sexta-feira (16 de junho), O TEMPO conversou com o pai de Rafaela, que explicou que, após a morte da filha, bastante abalado, ele pediu a Deus que o "iluminasse" sobre como ajudar a escrivã mesmo após a morte dela. "No dia seguinte, surgiram as denúncias de assédio, que até então eu não sabia que tinha acontecido", detalhou.


Além do pai e outros familiares da escrivã, colegas de profissão dela, policiais civis, também fizeram uma manifestação segurando cartazes em frente à igreja onde a missa aconteceu.


No próximo sábado (17 de junho) uma nova manifestação em homenagem à Rafaela está marcada para acontecer em Barbacena. O ato está marcado para 10h na praça do Rosário, no Centro do município. A recomendação é que as pessoas utilizem roupas pretas para lutar contra o assédio e pela vida das mulheres.


Mais cedo, ainda na última quinta, a Polícia Civil fez o seu primeiro pronunciamento oficial desde que as denúncias de assédio dentro da instituição viralizaram. Durante a fala, o delegado responsável pela investigação confirmou que a possibilidade de indução ao suicídio é apurada.


Pai quer fundar entidade para lutar pela dignidade das mulheres

Ainda conforme Aldair, as denúncias de assédio moral e psicológico que teriam sido sofridos pela filha fizeram com que ele tivesse um novo propósito de vida: lutar pela dignidade da filha e, também de todas as mulheres.


"Usei isso como minha missão de vida. Se for preciso, vou criar uma organização, uma entidade, para lutar em defesa da mulher. Hoje eu já tenho um projeto de salvar cachorro da rua, então eu cuido de 50 cãezinhos", informou o pai durante a entrevista.


Saúde dos servidores e precariedade na instituição

O autoextermínio da escrivã Rafaela Drumond, de 32 anos, da Polícia Civil de Minas Gerais, lotada em Carandaí, na região da Zona da Mata, com circulação de áudios indicando pressão psicológica e assédio moral, acendem um alerta para um quadro muito mais profundo dentro da corporação: falta de estrutura e consequente deterioração da saúde mental dos servidores. Um problema que segundo o Sindicato dos Servidores da Polícia Civil no Estado de Minas Gerais (Sindpol-MG) é consequência de uma soma de fatores: falta de equipamentos e as condições inadequadas de serviços das delegacias, além da falta de cerca de 7 mil servidores na instituição.


Realidade essa que é confirmada pelo delegado-geral Antônio Carlos de Alvarenga, que atua na Divisão de Polícia Interestadual (Polinter). Conforme Alvarenga, a instituição tem defasagem de 50% na quantidade de escrivães, 45% de investigadores, 42% de delegados e de 35% de peritos. Situação que compromete a investigação dos crimes, com cerca de 10% dos casos apurados, e provoca sobrecarga de trabalho, com o consequente adoecimento dos servidores.


Para o delegado Alexsander Soares Diniz, titular na Delegacia de Barbacena, a unidade de Carandaí, onde a escrivã Rafaela Drumond estava lotada, oferecia condições adequadas para que as equipes realizassem os trabalhos. "É uma delegacia que possui estrutura condizente ao trabalho policial", garante.


Assédio como causa da morte da escrivã

Após a morte da escrivã Rafaela Drumond, vídeos e áudios como relatos de assédio moral e machismo começaram a circular entre servidores e pessoas próximas à profissional. O material teria sido deixado por ela, como forma de denunciar pressão psicológica e assédio moral.


Em um dos materiais recebidos pelos investigadores, a escrivã teria sido vítima de assédio moral, machismo e de ameaças. O suspeito das violências teria sido um servidor com cargo superior ao exercido por ela. "Eu te chamei de piranha. Risos. É muito cabecinha fraca, é muito cabecinha fraca. (....) Eu não bato em mulher, mas se você fosse homem, uma hora dessa, ou eu ou você, estava morto", indica trecho de um dos vídeos.


Após ter acesso ao material, o Sindicato dos Escrivães de Polícia Civil no Estado de Minas Gerais (Sindep-MG) se manifestou cobrando investigação do caso e a realização de uma audiência pública para esclarecer o ocorrido. Conforme a associação, outros servidores lotados na mesma região também são vítimas dessas violências.


“Os policiais estão adoecendo de forma muito perigosa e o cuidado com a saúde mental de nossos profissionais não tem chamado a atenção das autoridades responsáveis. A polícia está doente e quem deveria cuidar desses valorosos policiais está fingindo não ver”, destaca o sindicato.


Conforme o delegado Alexsander Soares Diniz, titular na Delegacia de Barbacena, não há registros formais referentes a casos de assédio moral na região. No entanto, as investigações buscam identificar se esses episódios de violência foram relatados em alguma oportunidade.


"Não chegou nenhuma reclamação formal ao meu conhecimento, mas o inquérito policial verifica isso. Se houve algo e em que consistia essa denúncia", disse o delegado, que afirmou que a investigação ocorre de forma isenta e profissional. "A minha gestão é de portas abertas. Temos hierarquia e disciplina em que temos que obedecer algumas regras. Mas sempre estive disponível aos policiais", acrescenta.


Autoridades em alerta

A morte da escrivã Rafaela Drumond será tema de uma audiência pública na Assembleia Legislativa de Minas Gerais. A reunião deverá ocorrer na primeira semana de julho, em data ainda a ser definida. A realização da audiência foi determinada na última terça-feira (13 de junho), após requerimento do deputado Sargento Rodrigues (PL), durante encontro da Comissão de Segurança Pública da Assembleia Legislativa.


Devem comparecer nesta assembleia a Chefe de Polícia Civil, Dra. Letícia Gamboge, o Secretário de Estado de Governo, Igor Eto, e a Secretária de Estado de Planejamento e Gestão, Luísa Barreto.


A morte de Rafaela

Rafaela Drumond, de 32 anos, foi encontrada sem vida pelos seus pais na casa da família em Sá Forte, distrito de Antônio Carlos, na região do Campo das Vertentes. A escrivã, lotada no município de Carandaí, foi vítima de suicídio.


O caso é investigado pela Polícia Civil de Minas Gerais. Conforme a instituição, um procedimento disciplinar e um inquérito policial foram instaurados para apurar as denúncias referentes aos fatos.


“A Superintendência de Investigação e Polícia Judiciária (SIPJ), por meio da Inspetoria-Geral de Escrivães, além de uma equipe da Diretoria de Saúde Ocupacional (DSO), do Hospital da Polícia Civil (HPC), estão no município de Carandaí para acolhimento e atendimento dos servidores”, disse a instituição afirmando que prestou condolências aos familiares, amigos e colegas da escrivã.


(Com Rayllan Oliveira)

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