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ESTAGNAÇÃO OU MODERNIZAÇÃO: O MEDO DA MUDANÇA PODE LEVAR À FALÊNCIA DEFINITIVA DA POLÍCIA CIVIL


Em plena pandemia, numa época de isolamento social, o governo de Minas decidiu abrir a caixa de pandora, encaminhando à Assembleia Legislativa um pacote de maldades que continha duas reformas: a previdenciária e a administrativa. Tudo para extirpar os direitos dos servidores públicos, dentre eles, os da Polícia Civil.

Com o objetivo de reduzir os impactos nefastos do projeto, as entidades de classe que representam os policiais civis lideraram a categoria na luta contra a perversidade do Governador. Graças às fortes manifestações de indignação da categoria, houve o fatiamento da proposta oficial e as reformas acabaram separadas. Somente a da previdência foi levada à votação.

A plena justiça não foi alcançada mas com a força da luta nas ruas e a impressionante mobilização dos policiais foi possível reduzir parte dos impactos negativos no curso do processo legislativo.

Durante o curso da batalha contra a reforma previdenciária, o Governo Zema trouxe a público a ideia de reformulação da máquina executiva, instituindo o chamado Comitê Estadual de Modernização Administrativa – CEMA.

Ainda que tenha sido inoportuno se falar em reformas no mesmo instante em que solapavam direitos classistas dos policiais civis, as entidades representativas dos Escrivães e Investigadores entendem que a Polícia Civil tem, sim, que passar por uma reforma profunda, com inovações de real impacto na qualidade de sua prestação de serviços à sociedade, expressão política e força operacional da atividade-fim.

As entidades representativas dos cargos da base da Polícia Civil, consideram que é dever de todo e qualquer governo a adoção dinâmica de medidas que atualizem e aprimorem a capacidade da máquina pública, especialmente nesses tempos de mudanças globais tão rápidas e profundas. Portanto, nesse particular, o governador Zema apenas cumpre com uma obrigação geral, inerente à responsabilidade de governante.

Como parte dos trabalhos do mencionado comitê, o governo constituiu um grupo de trabalho para a formulação de proposições reformadoras no âmbito da Polícia Civil. Analisando o cenário, entendemos que o grupo submeterá suas conclusões ao debate franco de toda a comunidade policial civil.

Neste sentido, aguardamos com boa expectativa a consumação do processo, sendo certo que após a apresentação oficial das propostas, as entidades farão um estudo técnico aprofundado. Assim, não temos posições apriorísticas e, logo, não rejeitamos o trabalho em si. Ao contrário, esperamos que ele traga efetivamente as mudanças que a Polícia Civil necessita, conforme vêm mostrando debates importantes no âmbito de entidades das bases policiais, com destaque para a Confederação Brasileira de Trabalhadores Policiais Civis - COBRAPOL.

Por essas razões, recebemos com estranhamento a precipitada reação das entidades representativas dos Delegados de Polícia a propósito da modernização.

A Associação e o Sindicato dos Delegados de Polícia, com afirmações altamente questionáveis e sem qualquer diálogo prévio, se posicionaram de forma impetuosa contra mudanças na instituição e repudiaram veementemente a perspectiva de inovações na Polícia Civil de Minas, sem sequer terem acesso ao texto.

É de se estranhar que, no momento em que se via um clima de unidade classista e considerável espírito de corpo (provocados pelas circunstâncias em que todos perderam muito), as duas entidades emitem um discurso contrário a uma ação que, sim, interessa aos policiais que vislumbram mudanças sérias na organização.

As entidades representativas dos Delegados de Polícia, como sempre objetivando a manutenção do “status quo”, isolaram-se em torno de seus interesses próprios, fugindo do clima de unidade surgido em razão da atitude discriminatória de um Governo que trata a instituição com desdém.

Ao invés de adotar uma atitude proativa em razão da urgência de mudanças, preferiram negar a real oportunidade de inovações de estrutura, carreiras e processos de trabalho, visando a construir uma nova Polícia Civil verdadeiramente moderna, eficaz e efetiva no contexto da segurança pública.

Não nos parece lúcido rejeitar a proposta de modernização através de um repúdio irracional ou com argumentos distantes de um debate lógico. Entendemos que deve ser superado o medo da mudança e a hostilidade contra a quebra de paradigmas.

Nesse sentido, não deve prosperar o desejo de manutenção de pequenos privilégios, como se a ideia de modernização fosse atentar contra a velha e feudal relação de autoritarismo que se vê subliminarmente, quando não expressamente, nas concepções hierárquicas superadas.

Dessa forma, entendemos que é verdadeiramente bizarro manter uma estrutura baseada na lógica medieval, especialmente na relação nobreza x vassalagem, relegando dedicados profissionais ao papel de meros cumpridores de ordens, bem como é indubitavelmente risível considerar o modelo vigente como exitoso. Ressalta-se que o presente texto não possui o propósito de fomentar rivalidades, mas sim de atentar para necessidade de lucidez na compreensão das mudanças que se fazem imprescindíveis.

Diante deste cenário, as entidades de classe da base, Associação dos Escrivães de Polícia de Minas Gerais (AESPOL/MG), Sindicato dos Escrivães de Polícia de Minas Gerais (SINDEP/MG) e Sindicato dos Servidores da Polícia Civil do Estado de Minas Gerais (SINDPOL/MG), por compreenderem a necessidade da reestruturação institucional da Polícia Civil, até aqui não haviam externado posicionamento e optaram por esperar e analisar o conteúdo das propostas ora em estudo pelo comitê da Polícia Civil. Somente após, pretendem fomentar o debate com os policiais civis, pontuando criticamente os elementos indispensáveis para essa MODERNIZAÇÃO.

A Polícia Civil se encontra numa situação em que não é exagerado temer por sua própria existência. Não é possível aceitar o tratamento de segunda classe oferecido pelo governo, mas é preciso passar por uma transformação significativa que modifique processos de trabalho, a forma de organização e de estruturação institucional da carreira. É necessário redesenhar a forma de realizar a investigação criminal. É também imprescindível repensar as relações entre os cargos e a carreira. Uma nova Polícia Civil precisa ser instituída!

O trabalho de investigação da polícia judiciária estadual está visivelmente fracassado, uma vez que os resultados, operacionais e de afirmação institucional, têm sido fortemente questionados por um grande contingente de policiais civis e, pior, por terceiros de outras instituições policiais, da justiça e da sociedade.

A sociedade exige resultados, investigações que representem relevância para o enfrentamento à violência, à sonegação fiscal, à corrupção e aos conflitos cotidianos. Exige ainda uma atuação que atenda a população em toda sua extensão, independentemente de classe social ou de pressões.

Resta claro o fato de que a cartorização, excesso de formalismo, burocracia, retrabalho e centralização de decisões rotineiras emperram toda a investigação. A sociedade vê tudo isso e o descrédito se propaga pelo imaginário dos cidadãos.

O modelo burocrático, arcaico e centralizador, coloca a Polícia Civil em uma rota contrária à exigida pela modernidade, com a sociedade global tecnológica e complexa se reproduzindo nas realidades nacionais. É preciso agilidade na tomada de decisão.

As instituições modernas exigem um paradigma racional, tecnológico, democrático, fundado na capacidade técnica e intelectual. Não há mais espaço para vaidades e subserviência. Por tudo isso, não é possível aceitar que a ideia de MODERNIZAÇÃO seja liminarmente e veementemente rejeitada.

Não vemos motivos para se negar uma ideia sem conhecer o seu conteúdo, sem saber se representa a busca de soluções para um trabalho mais eficiente e eficaz de investigação e de valorização da Polícia Civil. Um debate dessa magnitude deve ir além das vaidades e pretensões corporativistas de um ou outro cargo.

A priori, as mudanças na estrutura da Polícia Civil constituem uma necessidade urgente que deveria ter começado no início do século em curso. E já estamos na terceira década dele...

Reivindicar o fortalecimento da Polícia Civil significa proporcionar maior capacidade de atuação e defesa dos direitos dos cidadãos, principalmente o direito de acesso à justiça.

A sociedade quer ver os infratores da lei levados à Justiça. E isto requer uma investigação praticada com método, inteligência e agilidade. Mas a Polícia Civil carece de unidade institucional e operacional para garantir qualidade aos serviços que oferece à população.

Nesse prisma, a fragmentação operacional tem sido um grande entrave para o desenvolvimento do trabalho investigativo, provocando retrabalho e inviabilizando resultados investigativos de qualidade reconhecida e certificada.

A atividade investigativa é de natureza transdisciplinar, uma vez que comporta saberes das inúmeras áreas do conhecimento. Por esse motivo, a realidade atual parece sugerir que o melhor caminho seja a concentração dos saberes e habilidades policiais em número menor de cargos ou até mesmo em um único cargo, como se vê em polícias de investigação espalhadas por todo o mundo. Em síntese: menos cargos com mais conhecimentos e afazeres aplicados, de modo a preservar a unidade da investigação - aliás, um princípio claro na lei orgânica mineira (LC 129/2013). Por este motivo, é preciso pensar com rigor sobre a segregação entre as chamadas funções instrumentais.

É preciso estabelecer claramente os limites da atuação policial investigativa frente às atribuições puramente administrativas, típicas da atividade meio. Trata-se de um contrassenso ocupar cargos públicos de natureza policial para exercício de tarefas de apoio (digitação, serviços de escrituração, motoristas, porteiros, dentre outros sem imersão na investigação em si). Para essas funções é possível, segundo graduações de complexidade, instituir e prover os cargos administrativos. A reforma administrativa que se avizinha propõe, inclusive, uma reflexão acerca de quais seriam os “cargos típicos de Estado”.

A responsabilidade das entidades representativas se funda na exigência da garantia de direitos, implementação de melhores condições de trabalho, melhores remunerações e estruturação da carreira Policial Civil. Mas é preciso compreender o momento histórico, as condições da economia e o ambiente social. Por isso, diante da notória realidade de pressão em relação aos gastos públicos e horizontes previdenciários, é necessário que os cargos policiais civis sejam fortalecidos pela unidade e generalidade de conhecimentos inerentes a eles.

Não é mais razoável invocar paradigmas centenários que se baseiam numa cultura decadente e elitista. O fortalecimento e a própria sobrevivência institucional da Polícia Civil dependem urgentemente de uma reforma que leve em conta a realidade desses tempos de novas ideias e da alta tecnologia. A sociedade mudou globalmente. A Polícia Civil também precisa se modernizar!

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